Foi assim que o director do jornal “O Mineiro” de Agosto de 1986 fez a apresentação do Sr. Dr. Júlio César e do seu trabalho:
O Sr. Dr. Júlio César Baptista é uma figura destacada do clero da arquidiocese eborense e um filho ilustre de São Jorge da Beira. É historiador e investigador qualificado e apaixonado. “O Mineiro” sente-se honrado de, a partir deste mês, publicar uma série de estudos e análises de documentos sobre São Jorge da Beira, existentes nos arquivos da paróquia. Ao Sr. Dr. Júlio agradecemos a preciosa colaboração e os leitores poderão deliciar-se com uma prosa cheia de interesse.

Padre Dr. Júlio César Baptista
Era filho de António João Baptista e de Maria da Natividade.
Nasceu em Cebola em 19 de Março de 1911 e faleceu em Évora a 16 de Novembro de 1989, estando sepultado em São Jorge da Beira.
Autor de muitas e valiosas obras, articulista de renome em revistas e jornais, colaborador assíduo em várias enciclopédias doou a sua vasta biblioteca ao Seminário Diocesano.
Foi professor em quase todos os estabelecimentos de ensino da cidade de Évora.
Como dirigente da Acção Católica, conseguiu cativar a todos e todos o estimavam, principalmente os jovens, que durante muitos anos com ele privaram.
Muitos e muitos eborenses se deslocaram a São Jorge no dia do seu funeral, em homenagem àquele para quem sempre viveu.
Este trabalho que agora apresento é cópia daquilo que o Sr. Dr. Júlio nos deixou.
Há muito tempo que o copiei na íntegra e esperava boa oportunidade para o colocar à disposição de quantos desejassem conhecer o início da nossa vida paroquial e a maneira de viver dos nossos antepassados em tempos idos.
Tudo copiei. Nada omiti. Alguma coisa acrescentei.
O pontapé de saída foi dado, pelo meu primo Horácio Covita, no seu site, “CAMINHO DAS PEDRAS…”.
Gostei das suas fotos tão bem conseguidas, mas principalmente da crónica, onde presta homenagem ao nosso conterrâneo e amigo Dr. Júlio.
Aqui está o que ele nos legou…. o resto de que meu primo fala e que pede, virá com o tempo…
O livro que se encontra guardado na Igreja de São Jorge tem na primeira página o termo de abertura: «…há-de servir para nele se escrever os usos e cartas de Visitações do curato de S. Jorge… erecto no lugar de Cebola, anexo do Castelejo».
«Guarda, 12 de Junho de 1762» e a que o Sr. Dr. Júlio chamou
As breves e singelas notas que agora se publicam têm por objectivo revelar o conteúdo de um livro escrito à mão, que se guarda no cartório paroquial de São Jorge, nesta nota chamada Códice de Aldeia, exactamente por fazer parte do espólio de uma aldeia.

São Jorge da Beira nos nossos dias
O começo deste códice é semelhante ao de muitos outros.
Estava mandado que nas igrejas que fossem sede de paróquia existisse um livro destinado a registar os usos e costumes locais em matéria religiosa, as pastorais dos bispos e os capítulos da visitações, ou seja, o que o bispo ou seu representante mandasse corrigir, reformar, ou pôr em prática por ocasião da visita pastoral, que devia ser feita anualmente.
Os livros deste género estão hoje a ser procurados com justificado interesse.
É que eles são um auxiliar fecundo na reconstituição da história sociológica dos povos, a partir das pequenas povoações, a par dos registos paroquiais e do rol dos confessados.
Em rigor constituem a única fonte narrativa dos aglomerados populacionais modestos, e daí o seu valor insubstituível.
Não nos preocupa o que aconteceu aos de outras paróquias.
Não curamos saber se todos os demais se perderam ou ainda existem alguns.
Alegra-nos a certeza de possuirmos o nosso inteirinho, da primeira à última folha, rico de informações sobre o passado de São Jorge da Beira na recuada época de há duzentos e vinte e cinco anos atrás.
É bom lugar para exprimir a nossa gratidão a quantos organizaram o livro, o escreveram por seu próprio punho e o conservaram até nossos dias.
Sem o concurso deles não teria existido ou teria desaparecido.
Foi a sucessão dos párocos que o organizou, escreveu e conservou, desde o primeiro ao que agora tem a responsabilidade paroquial.
E já agora, nesta linha de gratidão, vem a propósito lembrar que o Padre Ricardo Augusto Coelho, que muitos ainda conheceram, antes de ser obrigado a mandar para o Registo Civil os livros paroquiais anteriores a 1911, gastou muitas horas e dispendeu muito trabalho a copiá-los um por um, cópias que se guardam no arquivo da Igreja.
Além dos mencionados livros, há-de haver outros, também escritos à mão, em casas particulares, sujeitos a perderem-se, especialmente referentes a confrarias.
Seria bom, no caso de algumas famílias os possuírem, os mostrassem para serem examinados e julgado o seu interesse e utilidade.
É capaz de haver muita coisa boa em perigo de desaparecer, sem proveito para ninguém e prejuízo para todos.
Voltando ao códice, começou a ser organizado em 1762 e acumula documentos durante mais de um século, em 150 folhas de formato grande, escritas à mão de ambos os lados. contém a história da criação da paróquia; menciona as pessoas que para isso contribuíram, desde a coroa real e dos bispos até aos habitantes da povoação, e bem assim as dificuldades encontradas.
Regista numerosas visitas pastorais, em que sobressai a grande fé dos moradores desse tempo e o teor de vida pobre que levavam. Por fim, transcreve bulas de papas e pastorais de bispos, de interesse desigual, algumas com informações valiosas.
De tudo isto se irá dando conta pouco a pouco, um assunto de cada vez. Por agora basta a notícia de que São Jorge da Beira possui um livro de muito interesse para a sua história, que herdou das gerações passadas e se compromete a legá-lo às gerações futuras.
Em zonas mal povoadas, as paróquias eram extensas, com uma só igreja destinada ao serviço paroquial e um cemitério.
Os fiéis eram obrigados a deslocar-se a longas distâncias para cumprir o preceito da Missa, receber os sacramentos e enterrar os mortos.
A prática religiosa tornava-se gravemente incómoda.
Com o rodar dos anos e com o aumento demográfico dentro dos amplos limites da paróquia, cresceram novas povoações, cuja população precisava ser reajustada no ordenamento espiritual, como no temporal.
Os moradores levantaram capelas para o culto.
Quando entendiam estarem reunidas as condições suficientes, requeriam que a sua capela fosse levada à categoria de igreja paroquial.
Nasceram assim paróquias menos vastas dentro da grande paróquia.
A primitiva intitulava-se matriz, quer dizer, a mãe de todas as outras da sua jurisdição; as novas chamavam-se filiais, isto é, filhas da mais antiga.
Tomavam ainda outros nomes: sufragâneas, anexas e igrejas ou capelas curadas.
A matriz e as filiais não se desligavam por completo.
Entre outros direitos, o pároco da matriz interferia na nomeação dos párocos das filiais; e os fiéis de cada filial, tanto podiam praticar os actos paroquiais na sua igreja, como ir celebrá-los à igreja matriz.
Vem isto a propósito da situação religiosa do lugar de Cebola, hoje São Jorge da Beira, em tempos passados.
Aqui nas redondezas, duas povoações, Paul e Ourondo, na margem direita do Zêzere, tiveram categoria de paróquias desde longa antiguidade.
Foi diferente na margem esquerda do rio. Desse lado, a sede de paróquia era o Castelejo.
Em termos de hoje, abrangia as actuais freguesias de Lavacolhos, Silvares, Casegas, São Jorge da Beira, Sobral de São Miguel, e evidentemente o próprio Castelejo e lugares circunvizinhos.
Isto quer dizer que para celebrar actos religiosos, como baptismos, casamentos, para não mencionar funerais, era preciso ir ao Castelejo ou aguardar ocasião em que o pároco ou algum seu delegado se deslocasse a estas localidades.
Não admira que a extensa jurisdição do Castelejo se desmembrasse em várias igrejas filiais.
Todas receberam a designação de curatos, regidas por um cura. Foram, por ordem geográfica, Lavacolhos, Silvares e Casegas.
O último é que aqui directamente interessa.
O curato de Casegas estava já formado no princípio do século XVII, claramente documentado em 1614.
Compunha-se de três povoações: Casegas, Cebola e Sobral.
Diz José Osório da Gama e Castro que, no seu todo, o curato tinha 250 fogos, com 1010 almas, assim distribuído: Sobral com 70 fogos e 280 almas e Cebola com 60 fogos e 240 almas. Casegas era o lugar mais povoado; quase o dobro dos outros dois: 120 fogos com 490 almas.
Os números apresentados por José Osório levantam fortes dúvidas, que não admira, tendo em conta o processo de recenseamento daquele tempo.
A informação paroquial de 1778 atribui a todo o curato 185 fogos e 804 habitantes.
Quatro anos depois, a estatística de 1782, feita a partir do rol dos confessados, conta para o curato inteiro 190 fogos, com um número de moradores sensivelmente igual ao anterior.
As duas contagens confirmam-se uma à outra, portanto devem estar certas.
O número de fogos e de habitantes é significativamente menor em meados do século XVIII do que em princípios do século XVII, e não se vê razão para tamanho decréscimo.
Daí a desconfiança acerca da exactidão da contagem apresentada por Osório e Castro.
A mesma impressão se colhe com a comparação da estatística referente ao lugar de Cebola.
Em 1762 tinha 40 fogos, que dá perto de 200 habitantes, menos um terço do que século e meio antes.
Seja o que for das estatísticas, a verdade é que, a partir do começo do século XVII, ou ainda antes, o lugar de Cebola ficou a pertencer ao curato que tinha a sede em Casegas.
Já não precisava de recorrer ao Castelejo.
Os seus moradores passaram a ir à igreja de Casegas ouvir Missa, receber os sacramentos do baptismo, confissão, comunhão, matrimónio e crisma, e lá enterravam os seus mortos.
Para sacramentar os doentes vinha o pároco de Casegas ao lugar de Cebola, como era sua obrigação.
Era duro, mas era melhor que antigamente, como continua a ser duro ainda hoje, em pleno século XX, para tratar assuntos de Registo Civil, ter de ir à Covilhã, sofrendo incómodo, perda de tempo e gasto de dinheiro.
O sacrifício das idas a Casegas levou tempo, mas resolveu-se, e no próximo capítulo se dirá como foi resolvido.
As canseiras acumuladas por gerações sucessivas, em idas e vindas a Casegas no cumprimento dos seus deveres religiosos, vão finalmente acabar.
Os moradores do lugar acham que a sua Capela dedicada a São Jorge, há muito construída, tem direito a ser elevada a sede de paróquia.
Feito o pedido ao bispo, que era D. Bernardo António de Melo Osório, este entregou a petição ao vigário geral e ao provedor da diocese para a examinarem e se pronunciarem, no ponto de vista pastoral e no aspecto jurídico, se a petição tinha em vista o bem das almas e se estava conforme ao direito vigente.
Os peticionários fundamentaram o seu pedido nas seguintes razões: número de habitantes, distância entre os dois lugares e aspereza dos caminhos.
O lugar de Cebola tinha 40 fogos, perto de 200 almas.
Grande parte não podia deslocar-se a Casegas.
Estavam impedidos de ir as crianças e os idosos e os doentes, as pessoas que precisavam de tratar os que ficavam e dos animais domésticos e ainda os pastores obrigados a apascentar os gados. Era muita gente que ficava privada dos socorros espirituais, não uma vez ou outra, mas permanentemente.
O maior obstáculo era a distância. São perto de três léguas. Entre ir e vir e assistir aos ofícios divinos – missas, casamentos, baptismos ou funerais – gastava-se praticamente um dia inteiro. Pelo menos de Inverno, com os dias pequenos, era necessário sair logo de manhã e regressar perto da noite.
Aconteceu até algumas mulheres grávidas empreenderem a caminhada e abortarem na viagem.
À lonjura vem juntar-se a incomodidade dos caminhos.
Entre os dois lugares ergue-se uma serra.
Contando com a subida e a descida, é cerca de uma légua.
No tempo invernoso, a dificuldade é ainda aumentada por três ribeiros e uma ribeira.
Só esta, a mais caudalosa, tem ponte, de madeira. Refere-se seguramente o Porcim. Dos ribeiros, dois vieram mais tarde a ser providos de pontão: um à saída da povoação, chamado Ponte, e o outro ao Vale do Muro(*).
Como se isso fosse pouco, as vias de acesso são perigosas. Correm por entre fortes matagais, onde se acoitam lobos e porcos monteses.
A fundamentação da súplica foi bem organizada e expressa em termos de forte realismo e nitidamente existenciais.
Os dois examinadores, tanto o vigário geral como o provedor, reconheceram a veracidade das razões apresentadas e foram coincidentes em declarar que a subida da Capela de São Jorge de Cebola a sede de circunscrição paroquial, com o título de curato, era pastoralmente justificável e juridicamente correcta.
A única dúvida seria o prejuízo sofrido pelo curato sedeado em Casegas, mas não é de considerar, pois ainda ficava com uma população de 154 fogos espalhados por dois lugares, Casegas e Sobral, e algumas casas dispersas.
Da parte do bispo não havia, pois, qualquer obstáculo.
Faltava ainda ouvir o vigário do Castelejo, pároco da grande paróquia a que os curatos pertenciam, e o Conde de São Vicente da Beira, na qualidade de comendador da Comenda da Ordem de Cristo, que tinha a sua sede no Castelejo.
NESTA CONFORMIDADE, AOS 15 DE JUNHO DE 1762, O PROVISOR DO BISPADO LAVROU SENTENÇA, SEGUNDO A QUAL SE ERIGE NO LUGAR DE CEBOLA UMA IGREJA FILIAL OU CURATO, COM CURA RESIDENTE, TENDO ESTE A OBRIGAÇÃO DE EXERCITAR PARA OS MORADORES TUDO O QUE PERTENCE AO MINISTÉRIO PAROQUIAL.
Aos vinte e cinco dias do dito mês e ano, procedia o cura do lugar de Unhais (**), Padre Pedro Lopes Ferreira,(***) na companhia do Padre Francisco Gomes Nogueira e na presença da maior parte do povo do lugar, à marcação do adro em volta da igreja e da parte que havia de servir de cemitério em frente da porta principal.
O curato do lugar de Cebola constitui-se do modo diferente dos outros da mesma zona.
Os de Lavacolhos, Silvares e Casegas foram desmembrados directamente da igreja matriz do Castelejo e a ela ficaram ligados segundo as normas daquele tempo.
O de Cebola separou-se da igreja curada de Casegas, mas não ficou ligado a ela.
Tal como os outros, ficou sufragâneo da igreja matriz do Castelejo.
(*) – Hoje, 2009, todos os barrocos estão providos de aquedutos ou sólidas pontes.
(**) – Refere-se seguramente à vizinha povoação de Unhaia-o-Velho.
(*** – Foi cura de Unhais o Velho desde Fevereiro de 1790 – 1793.
A actual igreja, não sendo harmoniosa, tem imponência; e, acima de tudo, é funcional.

A actual igreja com a sua altaneira torre é bem o pólo de atracção religiosa das nossas gentes
De qualquer ângulo se assiste ao desenrolar das cerimónias litúrgicas; e, porque sofre um declive suave e contínuo desde a porta principal até ao cimo do corpo do templo, nunca as pessoas que estão à frente tapam a vista às que ficam atrás.
É um benefício em que muita gente não repara.
Foi construída na paroquialidade do Padre Artur Campos.(*)
Pode dizer-se que as obras não pararam.
Provida de bancos, de boa madeira, e rodapé de azulejos, no tempo do Padre José Joaquim Pinto Geada, a capela-mor foi ultimamente enriquecida de pavimento e incrustações de granito polido na parede do fundo, e solene e majestoso altar-mor, também de granito polido, sendo pároco o Padre José Genro, já falecido.
O zelo do Padre Américo Tavares Coelho, actual responsável pela comunidade paroquial, continua com bom gosto, a obra dos seus imediatos antecessores, e já se faz sentir nos painéis da Via-Sacra em relevo e no arranjo geral do edifício sagrado.
Seria injustiça omitir, nesta breve resenha, a contribuição dos paroquianos.
Foi com o dinheiro deles que tudo se fez.
A verdade deve ser dita: o povo tem-se desdobrado em generosidade para os melhoramentos da sua igreja.
Interior da nova Igreja
Esta é a igreja nova, confortável, provida do indispensável para o culto.
Antes desta, em boa realidade, já houve mais duas, todas no mesmo sítio, nem sempre com o desafogo que a de agora possui.
Na súplica dirigida ao bispo para obter o título de paróquia, um dos argumentos é a existência duma capela, que pode servir de paroquial.
Os suplicantes limitam-se a referir que já tem muitos anos.
Não dizem quantos, e naturalmente saberiam dizer.
Como o lugar de Cebola figura num mapa do século XVI, é possível que a capela venha desse tempo, mas não se pode afirmar com certeza.
A capela foi à medida do número dos habitantes.
Era pequena, e muito modesta, à maneira de ser da povoação. Contam os suplicantes que é desprovida de capela-mor.
Trata-se de um edifício em forma de salão rectangular, com um altar no topo do rectângulo.
O altar é protegido por grades, a fim de evitar que os da frente se apinhem em volta e impeçam a visibilidade à assistência.
A precaução das grades mostra que as pessoas, para lá caberem, tinham que estar muito comprimidas, numa terra com pouca gente.
Todos, o prelado e o povo, reconhecem que, para dignidade do culto e para abrir espaço, era necessário edificar a capela-mor. Aqui se levantam dificuldades.
As obras precisavam de autorização régia e as despesas deviam correr por conta do conde de São Vicente, na qualidade de comendador da Comenda do Castelejo.
A rainha D. Maria I concordou com a formação da paróquia e deu autorização para a obra.
O tecto seria recamado de estrelas, a mesa do altar em forma de urna,
Mesa do Altar-mor, em forma de urna com banqueta para 4 castiçais, que se encontra na nova capela mortuária, juntamente com a antiga bandeira das almas e a imagem antiga de Nossa Senhora das Dores
haveria um trono e uma banqueta para quatro castiçais,

Parte do retábulo, onde se encontrava o trono
e um sacrário ao centro, em cuja porta figuraria um cordeiro.
O sacrário
As obras da capela-mor é que nunca mais andavam. O conde de São Vicente sabia-lhe bem receber o dinheiro da Comenda, mas custava-lhe gastá-lo naquilo em que era obrigado. Nas visitas pastorais, feitas com grande regularidade, o visitador insistia na urgência da capela-mor e da sacristia, mas tudo ficava na mesma. Só em 1789, passados vinte e sete anos, após a elevação a sede paroquial, se ergueram as paredes; mas em 1796, trinta e quatro anos depois, ainda não estava capaz de servir.
Em volta da igreja demarcou-se o adro: 12 palmos para cada lado; 25 palmos em frente da porta principal, onde ficou o cemitério, e 25 palmos no espaço onde se edificou a capela-mor e a sacristia.
Tinha a igreja um campanário com uma sineta, provavelmente a que se guarda ainda hoje na dependência em que se encontram os objectos mais antigos. Na visitação de 1815 o visitador ordenou que o campanário fosse mudado para lugar mais conveniente, com o fim de facilitar a passagem.. O visitador ordenou ainda, nessa visitação, que se encontrasse outro sítio para o cemitério, por razões de sanidade pública. Recorde-se, a propósito, que semelhante ordem foi dada para todo o país.
Mais tarde a igreja foi ampliada. A capela-mor ficou intacta. não se lhe mexeu. É a segunda igreja.

Os últimos dias da secular igreja com a sua torre
Desapareceu com a construção da igreja nova, mas o altar-mor ainda lá se conserva, armado com as peças que foi possível juntar.
Não vale pelo trabalho artístico nem pela riqueza de material de que é feito. Vale como relíquia do passado e como expressão documental do nível de vida dum povo em determinada época da sua existência.
Recordação – Além de algumas imagens de santos, esta pia baptismal, onde os nossos antepassados e a maior parte de nós receberam o baptismo, é a única lembrança da 1ª. Igreja.
A igreja foi dotada de um amplo salão e nele implantado um bom palco, onde se realizaram bons teatros. Serviu de sala de cinema, de catequese e festas várias
Tinha casa de banho e sala de reuniões.
Existe também um salão mais pequeno que agora serve de museu, onde se guardam as peças mais antigas da nossa paróquia.
Ao lado existem duas salas para catequese.
No local, onde existiram, em tempos, as habitações da Tia Amélia e a tia Alice foi construída uma ampla Capela mortuária substituindo a anterior, por ser demasiado pequena.
Louvemos a atitude generosa dos filhos destas duas famílias que desinteressadamente cederam à Igreja aquilo que herdaram de seus pais.
Há pouco tempo, a igreja foi dotada de um melhoramento imprescindível: o aquecimento central.
(*) – Foi benzida e inaugurada em 20 de Agosto de 1962
Em todo este processo, o fundamental era a permanência do padre na aldeia. A criação do curato preenchia apenas uma condição indispensável. Os moradores tinham em vista fugir às incómodas deslocações a Casegas e evitar que os doentes morressem sem sacramentos. Em tudo isto foram muito claros na exposição ao bispo. Não é que o padre recusasse ou fosse negligente em acudir aos enfermos. Nenhuma acusação lhe é feita nesse sentido. Mas na demora do recado e chegada do sacerdote, alguns doentes morriam. A culpa, se a havia, era de o chamarem tardiamente.
A sentença da erecção da capela de São Jorge em igreja paroquia filial é explícita. O lugar de Cebola formará um curato amovível como os de Casegas, Silvares e Lavacolhos, tendo a servi-lo um padre, com o título de capelão ou cura e residência permanente no dito lugar. Exercerá ali toda a jurisdição que pertence ao ministério paroquial. Era o que se pretendia.
Segundo a letra da sentença, o cura era apresentado pelo vigário do Castelejo, e não pelo padre de Casegas. E bem se entende que assim fosse, já que o curato ficava dentro do território da matriz do Castelejo. A presentação tinha validade por um ano. Findo este tempo cessava o mandato e as faculdades paroquiais, mas o cura podia ser reconduzido – e isso aconteceu – mediante nova apresentação e renovação das faculdades pelo bispo. E assim todos os anos.
A sustentação do culto, consequentemente do padre, era obrigação da Comenda e devia ser satisfeita pelo comendador. Era assim em toda a parte. No entanto os suplicantes garantiram ao prelado que tomavam sobre si esse encargo, enquanto o comendador não assumisse essa responsabilidade. Diga-se, em abono da verdade, que o comendador, remisse em fazer as obras e adquirir os objectos do culto, satisfez pontualmente o encargo.
A côngrua que lhe foi atribuída era de vinte e seis mil réis (26.000) anuais, que a rainha, que a rainha, sob proposta da Mesa das Ordens, diminuiu para vinte e quatro mil réis (24.000). Foi este montante que o comendador pagou longos anos. Era tudo pago em dinheiro com grave prejuízo dos proventos do cura. Os padres dos outros curatos da área recebiam em dinheiro e em géneros agrícolas. , o que dava possibilidade de compensar a depressão da moeda.
Tem interesse comparar com a côngrua do cura de Casegas. Em 1758 recebia este dez mil réis em dinheiro (10.000), vinte e quatro (24) arráteis de cera, vinte e dois (22) alqueires de trigo, dezasseis (16) alqueires e meio de centeio e um (1) arrátel de incenso. É de notar que não se fala em milho, produto agrícola mais comum na região.
Com o rodar dos tempos, durante quarenta anos bem contados, o dinheiro desvalorizou-se, a vida encareceu, e o pároco da igreja de Cebola recebia sempre a mesma quantia, que nunca foi avultada. Com certeza foram os paroquianos que lhe valeram. Do seu milho, do seu feijão, das suas batatas, do seu azeite, do recheio de sua casa, foram repartindo com ele dentro das posses de cada um. De outro modo não se podia sustentar.
Em 1802, exactamente quarenta anos depois de criado o curato, a situação chegou a um ponto insustentável. Nesse ano, o Padre José Simões, cura desse tempo, fez uma exposição ao príncipe regente, futuro rei D. João VI, e foi bem sucedido. O príncipe mandou aumentar-lhe a côngrua para o dobro, com retroactivos a partir de Abril do ano anterior.
Os padres que nesse tempo serviram a paróquia bem mereceram a simpatia e ajuda do povo. Nas visitas pastorais, os visitadores os visitadores costumavam inteirar-se das carências existentes e do que havia a corrigir. Das pessoas ouvidas saíram sempre as melhores referências a respeito dos párocos ou curas. Eram assíduos ao cumprimento dos seus deveres. Nos registos das visitações é sempre lançada uma nota de congratulação e louvor pelo zelo por eles revelado.
A propósito das visitações refira-se que o visitador costumava deixar ao pároco uma verba para distribuir pelos pobres. Os párocos tiveram o cuidado de registar o montante geral da verba, os nomes dos pobres e o quantitativo recebido por cada um. Pode-se assim saber quais foram, durante vários anos, as pessoas mais carenciadas da freguesia.
PÁROCOS DE CEBOLA/ SÃO JORGE DA BEIRA
1762 – Francisco Gomes Nogueira (*)
……. – João Quaresma
1862 a 1864 - José Honorato Rodrigues de Oliveira
1871 a 1872 - Joaquim Rodrigues de Oliveira
1898 a 1946 - Ricardo Augusto Coelho de Almeida Freire 1946 a 1951 - Alfredo Fernandes de Brito
1005 - José Duarte Baptista (***)
25/02/2008 a 18/12/2008 - João Antunes Carrola
18/12/2008 – Jorge Manuel Tavares Colaço – Actual pároco
Dando tempo ao tempo, iremos tentar saber quais os nomes dos párocos que trabalharam na paróquia de São Jorge de Cebola, desde Junho de 1762 até Janeiro de 1860.
(*) – Creio ter sido o primeiro pároco de Cebola
(**) - Foi pároco de Dornelas do Zêzere de 1848 a 1854
(***) – É encarregado provisório e oficiante desde a saída do Sr. Padre Américo
Com a elevação da capela de São Jorge a paroquial filial, o lugar de Cebola separou-se da igreja de São Pedro de Casegas. Os seus moradores celebram, a partir de agora, os actos paroquiais na sua igreja, ou se quiserem, na matriz do Castelejo, e não no curato de Casegas, desde então desligados. Não obstante, continuam inscritos na Irmandade das Almas de Casegas e adoptam também os costumes da igreja de Casegas. Chama-se costumes e práticas antigas transformadas, com o tempo, em normas obrigatórias.
São catorze (14) os capítulos de usos e costumes, que aqui se transcrevem literalmente, em ortografia actualizada.
Primeiramente determinaram o dito visitador e moradores da freguesia de Casegas:
1-Que fosse uso fazer-se dois ofícios de nove lições com assistência de nove padres, a que chamam de Pontifical e que por eles se desse ao rev. pároco nove mil e seiscentos, nos quais entra a Missa de presente e que no fim deles se diria uma Missa cantada.
2-Que pelos menos possibilitados se fariam dois ofícios de nove lições com assistência de sete padres e que por estes se daria ao rev. pároco seis mil e quatrocentos, nos quatro entra a Missa de presente e que no fim deles se dissesse uma Missa cantada.
3-Que não havendo possibilidade para se fazerem os ditos ofícios, se fazia um Nocturno.
4- Que pelos filhos famílias se faria também e que estes Nocturnos se fariam com quatro padres e que por cada Nocturno se daria ao rev. pároco três mil e duzentos por si só; e fazendo-se em dia de ofício grande ou outra qualquer função se daria ao rev. pároco dois mil e quatrocentos e em qualquer destas contas entra a Missa de presente.
5-Que pela Missa de Angelis se daria cento e vinte réis.
6-Querendo alguém se faça vigília se ajustará com o rev. pároco o que for justo e razão.
7-Que pelos baptizados é costume dar-se um pão de trigo e uma vela de cera fina branca.
8-Que pela publicação de banhos é uso dar-se ao rev. pároco uma galinha.
9-Que por qualquer certidão é uso dar-se cento e vinte.
10-É uso dar-se aviso com antecipação ao rev. pároco para todas as festas.
11- É obrigado o rev. pároco a fazer ladainha de Nossa Senhora nos domingos, rezada ou cantada, por si ou o´por outrem.
12- É obrigado a rezar trinta responsos por cada defunto, dentro de trinta dias, depois do óbito, cujas esmolas entram no estipêndio dos ofícios.
13- É obrigado a rezar em todos os domingos e Dias Santos de um ano um responsório na igreja, ao arco cruzeiro, para o que acendem os anojados uma vela, e por estes responsos se dará dois alqueires de trigo ou dois e meio de centeio.
14- Quem quiser uma missa cantada dará oito vinténs para a Confraria.
A ideia fundamental dos catorze capítulos é sufragar a alma dos defuntos, no contexto religioso daquele tempo. A devoção pelas almas continua a ser uma herança viva na fé da nossa gente.
Os costumes transcritos directamente do livro de Casegas, foram proclamados pelo padre José Quaresma, em 25 de Julho de 1764, na presença da maior parte do povo, que os adoptou como seus. E tal importância a eles se deu, que para garantia e perpétua memória foram firmados pelo punho do pároco, do juiz do povo e mais treze homens, talvez os únicos que sabiam escrever.
Não assina nenhuma mulher, o que não admira, pois a alfabetização das mulheres é um fenómeno cultural recente, mormente nas aldeias.
A assinatura dos homens revela que existia aqui uma escola, pública ou particular, onde se ensinava a ler e escrever, mas dentro da mentalidade daquela época, devia ser pouco frequentada. Que um ou outro assinante tem letra bastante certa. A maior parte mal sabe desenhar o nome. Alguns são mesmo indecifráveis.
As pessoas que assinam são as seguintes: O cura João Quaresma; o juiz do povo Manuel Álvares; e os paroquianos Manuel Antunes da Eira, Manuel Joaquim, João Martins Daco?, Manuel Gonçalves Sapateiro, José Antunes, Manuel Duarte, João Rodrigues, António Gonçalves, José Diogo?, José…?, João Baptista e Estêvão Gonçalves.
Os nomes que vão interrogados são aqueles cuja decifração é mais que duvidosa. Eles aí ficam pela ordem do livro. Muitos de hoje poderão ver neles a presença de um seu antepassado.
O assunto de hoje não se refere directamente a São Jorge da Beira. Diz respeito a toda a diocese da Guarda e destina-se a revelar, como foi prometido, o recheio do códice que serviu de base aos temas anteriores, na parte em que se transcreve as comunicações escritas pelos bispos e por eles dirigidas a todo o bispado. Será uma simples enumeração dos documentos considerados mais relevantes, sem pretensões de novidade nem apreciação do conteúdo.
D. Jerónimo Rogado de Carvalho e Silva, que governou a diocese da Guarda entre 1773 e 1784, foi o primeiro bispo que, em pessoa, esteve em São Jorge da Beira. Visitou a freguesia por duas vezes, a primeira em 1778 e a segunda em 1784. A proximidade das datas é significativa. Mostra o interesse, que lhe ia na alma, de conhecer, por si, os seus diocesanos, mesmo os que viviam nas aldeias pequeninas.
O códice em referência testemunha a assiduidade das visitas pastorais e o cuidado de incrementar, por meio delas, o culto divino. Há seguramente muito juridismo nos capítulos das visitações; mas é patente a preocupação de transmitir dignidade às cerimónias da Igreja e de providenciar para que haja tudo o necessário para esplendor das práticas religiosas.
A visita serve de estímulo e é ocasião de aperfeiçoamento no ministério pastoral. Os bispos não corriam pessoalmente a diocese inteira, nem isso era fácil, com a frequência requerida. Delegavam esse encargo em sacerdotes da sua confiança. A voz do prelado fazia-se ouvir através dos visitadores, também por meio de Pastorais, ou outros escritos, que dirigia aos diocesanos, ora versando temas de doutrina, ora dando orientações pastorais de reforma de vida, ora traçando normas de disciplina a corrigir defeitos e aperfeiçoar virtudes.
D. Jerónimo Rogado veio contactar pessoalmente com as gentes desta terra e também aqui se guardam alguns escritos, merecendo especial atenção os que se referem ao culto do Coração de Jesus e da Eucaristia.
Nenhum outro bispo cá veio nos tempos mais próximos, mas estão cá os seus escritos. O imediato sucessor de D. Jerónimo foi D. José António Pinto de Mendonça Arrais, entre 1785 e 1822. Dele existem aqui numerosos documentos com realce para os que reflectem a discutida posição que assumiu a propósito das invasões francesas.
Sucedeu-lhe D. Frei Carlos de São José Azevedo e Sousa. Os escritos do seu curto episcopado estão impregnados de mentalidade absolutista.
De longa duração foi o episcopado de D. Joaquim José Pacheco e Sousa passado quase todo fora da diocese, a qual foi governada por vigários capitulares. Estes vigários dirigiam-se frequentemente aos diocesanos em documentos tocados de ideologia política. Um desses documentos a merecer particular atenção é do vigário D. João da Anunciada, sobre o rito do baptismo.
Em Portugal era obrigatório, desde sempre, o rito baptismal por imersão, nalgumas dioceses com três imersões e noutras com uma só imersão. Isso estava claramente regulamentado nas Constituições Diocesanas. O rito alterou-se. Começou a fazer-se por infusão, como ainda agora se faz. Pelo menos nalgumas partes desconhece-se o texto legal que modificou a prática antiga. No bispado da Guarda, esse texto data de 20 de Dezembro de 1834. Entra imediatamente em vigor. O que tem de notável é o esforço que o legislador faz para demonstrar que é legítimo e válido o baptismo administrado por derramamento de água sobre a cabeça do neófito, acompanhada a cerimónia da respectiva fórmula.
As últimas Pastorais aqui guardadas referem-se ao episcopado de D. Manuel Martins Manso, desde 1858 a 1878. São escritos mais virados para a formação espiritual dos fiéis do que reflexos de opções políticas.
Aqui termina esta série de artigos sugeridos pelo Códice de Aldeia, preciosidade arquivística de São Jorge da Beira.
Tenho o prazer de dedicar postumamente este trabalho ao amigo e familiar que sempre me estimou e protegeu, durante a minha estadia na cidade museu.
Seu avô, João António Baptista, era irmão de meu bisavô, António Baptista.
A ele devo muito daquilo que hoje sou.
Bem-haja, Dr. Júlio César.
Talvez haja quem tenha fotografias do riquíssimo retábulo da capela-mor da nossa primeira igreja.
Era uma riqueza poder contar com alguma preciosidade dessas, na exposição de fotografias que se avizinha.
Estas poderão encontrar-se num primoroso álbum familiar, no meio de algum livro ou guardado nalguma gaveta, arca ou baú.
Contactemos os nossos pais e até avós na esperança de recolher tais fotos.
Será uma honra lembrarmos, assim, os nossos antepassados.
Carlos Baptista Pereira