MINEIRO de Março 1964

Os serviços de alfândega das nossas águas territoriais assinalaram 5 raposas numa descarada ofensiva às galinhas e perus do nosso burgo.  Hom´ora!  Vai então, os nossos pescadores e homens do mar, matutaram folclóricas pescarias até desarriscarem da Avesseira tão indesejáveis raposas.  À primeira saída das traineiras, só conseguimos tirar o retrato às indas raposas.  À segunda saída, não!  Os pescadores profissionais, cedo dum lindo domingo rumaram para as posições de espera, lá em cima em anel no alto da Avesseira.  Todos, com o dedal no gatilho, os zagalotes nervosos a espreitarem pelos canos das espingardas, as iscas, o Radar aceso, o calão bravio a postos e imprescindível quando se acendesse a perseguição ao chacal, eu sei lá que mais.  Tudo pois, pronto, alerta, (caladinhos?), olhos colados na saída do matagal.  O amigo Ferreira, uma hora depois dos companheiros colocados, assobiou aos caes fiéis, juntou-os, fez-lhes um discurso inflamado e de circunstância, e a seu tempo, deu-lhes o grito de ordem. - Entra agora, Piloto!
    A um tempo, o Piloto, capitaneando todos os cães válidos cá da ilha, entraram no capim, a pentear a pente fino os matagais da Avesseira, onde se acoitava o chicharro nos intervalos dos atrevimentos nocturnos às nossas capoeiras recheadas de canja.  Eh caçadores, abraçai bem as armas e essas pontarias bem ajustadas, que o chicharro tem a passada larga e sabe esquivar-se ao fogo e ao vosso apetite.  Os cães coaram o matagal de tal forma que tudo o que fosse vivo iria sair ao encontro das esperas bem defendidas.  Caladinhos, agora, senhores caçadores, senão a raposa vem e torna a encolher-se para o matagal.  Saíram primeiro as galinhas enxotadas pelo cortejo de latidos que desinfectava o matagal, saíram depois os coelhos muito aflitos, saíram os nossos bilhetes brancos do Totobola, saiu a verba para o último lanço da estrada Ourondo - S.Francisco de Assis... um senhor caçador mal instalado não estava quieto e surgiu do mato muito sorrateiro, se demora mais uma fracção de segundo a mostrar o bilhete de identidade esborrachavam-lhe 2 tiros de zagalote na testa. Pum! Pum!  Quem foi o felizardo a quem saiu o animal? Isso fica para logo, que o bicho caiu, levantou-se e vai aí. À primeira rajada, a raposa ficou logo com a fala entaramelada, e derrotada já, desce pela Avesseira abaixo, sempre  acossada pela raiva dos cães fiéis.  Na ponta final da perseguição, fez-se ao mar uma traineira carregada de homens do mar , armados de paus, pedrada, calão bravio e apropriado, tudo em tumulto sobre a passada da raposa aflita. Nesta altura, o Alfredo Baptista Alves largou um liso de megatonelada sobre ela mas não lhe acertou, ficando a horta inutilizada para sempre no sítio onde caíu e por pouco ia matando um garoto que andava atrás das canas dos foguetes.  O bicho ainda pensou em resistir mais, mas sentou-se no regato da Avesseira, chorou, arrependeu-se de algumas patifarias não tendo tempo para todas porque entretanto sobre ele os impropérios, o calão ofegante e tumultuoso da rapaziada que rangia atrás dele.  Morreu pois de ver que tinha tantos inimigos nesta terra e perante tanto ódio e as biqueiras das botas afiançadas pelos sapateiros.  Fez-se a autópsia ao bicho para saber se era lobo, cabrito que sirva para caldeirada ou qualquer outra carne útil aos apetites modernos.  Postos os restos mortais de molho em formol, tonificados com pó de enguia e caril, DDT vínico e desinfectado com um atestado da ONU... não se comeu como constou para aí!  Abalou
em corpo e alma da mesa do banquete porque os senhores caçadores a deixaram mal morta!

Jorge Baptista